UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 13 de abril de 2013

Na Torre



Nesta austera torre
não se combate:
a névoa, o ar, o dia
rodearam-na, partiram
e deixaram-me com o céu e com papel,
solitárias doçuras e deveres.
Pura torre de terra
com ódio e mar distantes
removida
pela onda do céu:
na linha, na palavra quantas
sílabas? Quantas?

Bela é a incerteza do orvalho,
cai na manhã
separando
a noite da aurora
e a sua fria dádiva
permanece
indecisa, aguardando o árduo sol
que a ferirá mortalmente.

Não se sabe
se fechamos os olhos ou a noite
abre em nós olhos refulgentes,
se escava na parede do nosso sonho
até abrir uma porta.
Porém o sonho
 é o veloz vestido dum minuto:
consumiu-se num latejo
da sombra
e caiu a nossos pés, desabilitado,
quando se movimenta o dia e nos navega.

Esta é a torre donde vejo
entre a luz e a água silente
o tempo com a sua espada
e apresso-me então a viver,
respiro todo o ar,
transtorna-me o deserto
que se constrói sobre a cidade
e falo comigo sem saber com quem
desfolhando o silêncio
das alturas.

(Autor: Pablo Neruda)

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