UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo
de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero porque em meu ser
tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como
a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota
de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás
a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha
 face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que
ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento,
do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

(Autor: Vinícius de Moraes)

Nenhum comentário: