UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 22 de março de 2012

Primavera



Primavera é tempo de ressurreição.
A vida cumpre o ofício de florescer ao seu tempo.
O que hoje está revestido de cores precisou 
passar pelo silêncio das sombras.
A vida não é por acaso. 
Ela é fruto do processo que a 
encaminha sem pressa e
sem atropelos a um destino que não finda,
porque é ciclo que a faz continuar em 
insondáveis movimentos de vida e morte.
O florido sobre a terra não é 
acontecimento sem precedências.
Antes da flor, a morte da semente, 
o suspiro dissonante de quem se desprende do
que é para ser revestido de outras grandezas. 
O que hoje vejo e reconheço belo é apenas
uma parte do processo. 
O que eu não pude ver é o que sustenta a beleza.

A arte de morrer em silêncio é 
atributo que pertence às sementes.
A dureza do chão não permite que os 
nossos olhos alcancem o acontecimento.
Antes de ser flor, 
a primavera é chão escuro de sombras, 
vida se entregando ao
dialético movimento de uma morte anunciada, 
cumprida em partes.

A primavera só pode ser o que é porque
 o outono a embalou em seus braços.
Outono é o tempo em que as sementes 
deitam sobre a terra seus destinos de fecundidade.
É o tempo em que à morte se entregam,
 esperançosas de ressurreição.
Outono é a maternidade das floradas, 
dos cantos das cigarras e dos assovios dos ventos.
Outono é a preparação das aquarelas, 
dos trabalhos silenciosos que não causam alardes, mas, que,
mais tarde, serão fundamentais
 para o sustento da beleza que há de vir.

São as estações do tempo.
São as estações da vida.

Há em nossos dias uma infinidade de cenas 
que podemos reconhecer a partir da mística dos
outonos e das primaveras. 
Também nós cumprimos em nossa 
carne humana os mesmos destinos.
Destino de morrer em pequenas partes, 
mediante sacrifícios que nos fazem abraçar
o silêncio das sombras...

Destino de florescer costurados em cores, 
alçados por alegrias que nos caem do céu,
quando menos esperadas, anunciando que,
 depois de outonos, a vida sempre nos reserva primaveras...

Floresçamos.

(Autor: Pe. Fábio de Melo)

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