UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Água

Pudéssemos fazer-nos água, a de formas
incalculáveis, múltiplas, inconcebíveis:
macho decapitado, aranha
de infinitas teias, rosto amorfo,
água-mãe, filha e mãe nuvens.

Como ser o que és, sem ser mutável,
água,
água fêmea, púbis de virgem,
água de sexo transparente, puro seio?

Água, água de um milhão de formas,
pudéssemos humildemente
ser um só de teus espelhos,
deixando o orgulho humano
para as nuvens com a quais se ilude
enquanto sopra o vento, o vento pouco,
amargo, sem piedade.
(Autor: Péricles Eugênio da Silva Ramos)

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