UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Soneto do Efêmero


Sangram os mulungus no ermo encantado
frágeis flores de brasa. O canto insone
- pobre pássaro rouco no ar crispado –
voa da concha azul do gramofone.

Sobre a face das almas desce o cone
de sombras, antes que, no ilimitado
reino interdito, a vida se abandone
à lógica do tempo. E lado a lado

o homem e as coisas: a arca subjetiva
1. onde se funde o dúplice lamento,
2. onde tudo ao mudável se reduz

e os ontens e amanhãs, matéria viva
dos seres, desintegram-se no vento
como as almas, o canto, os mulungus.

(Autor: Waldemar Lopes)

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