UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ao Sal


Nega-me tua alma –
esta alma, mesma, que me furtas

e é ao degredo irremediável

que me remetes.

Nega-me tua chama

que arde no delírio dos deuses,
teu anjo, que ressona na fluidez dos lagos,
tuas asas desdobradas,

nega-me, nega-me tua espuma

que regurgita no sonho das aves
(eu sou o teu infante pássaro)

e é sem minhas fontes que me deixas,

sem meu ar extasiado.

Nega-me teu mar, tua tempestade,

o sonho e a fantasia,
e me deixas ao relento, ao sal amargo
de cada dia.

Nega-me teu olhos e já não me atento


que a felicidade embora utopia das sombras

é também certa luz incidente
que só de teu olhar
meus olhos como cúmplices pressentem.

(Autor: Fernando Campanella)

Nenhum comentário: