UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Morangos Selvagens



Era há muito tempo. Eu apenas sabia
que em mim havia acabado esse dom
de inventar a amizade
e sentava-me tão triste, olhando
essa estrada que não tem começo nem fim
e passa por entre nós
sugerindo carência e fragilidade.
Era há muito tempo. Mas não havia
estrada, nem havia distância e nem voz.
Achei-me de repente sem dom algum.
Foi quando as frutas cresceram nos seus galhos
e eu descobri essas ácidas pitangas
que, através do seu vermelho,
ensinaram-me de novo a continuar,
indiferente e sozinho.
Fora, o mundo me arrebatava o poder
de crucificado - no entanto,
sem dom, alguma coisa em mim
resplandecia.
Assim eu ia, mas há muito tempo.
(Autor: Lúcio Cardoso)

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