UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Mal Secreto



Se a cólera que espuma a dor que mora
n'alma e destrói cada ilusão que nasce;
tudo o que punge, tudo o que devora
o coração, nos rosto se estampasse;
se se pudesse o espírito que chora
ver através da mascara da face,
quanta gente talvez que inveja agora
nos causa, então, piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez consigo,
guarda um atroz, recôndito inimigo,
como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez, existe,
cuja ventura única consiste
em parecer aos outros venturosa!

(Autor: Raimundo Correia)

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