UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Verdade

Sempre procuramos a Verdade.
Ela tem medo de ser pega.
Livros são gaiolas.
Verdade não é um canário
Para ciscar palavras com paciência
E morrer depois de comer todas.

A verdade não gostaria de viver
Na cabeça ou na garganta ou no coração de alguém.
Não tente achá-la ali.

A verdade não é dríade pra ser punida numa árvore
A verdade não é nenhuma naiade.
A verdade certamente se afogaria numa fonte.

Deixe a terra em paz.
A verdade não deixa pegadas.
Não escute
Até o silencio se pôr com a lua.
A verdade não faz ruídos.
Não siga a luz
Que segue o sol
Que segue a noite.
A verdade dança além da luz
E do sol
E da noite.
A verdade não pode ser vista.

Deixe a curiosidade ficar em casa.
Ela pode se perder.
(A verdade frequenta antros estranhos.)
Se, criança, o segredo se calça,
Um dia será imprudência.

Deixe a verdade em paz.
A verdade não pode ser pega.
Acho que ela não vive nada, não,
Pois teria medo de morrer, então.

(Autora: Laura Rinding - Tradução de Rodrigo Garcia)

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