UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 6 de julho de 2013

O Dia


Das profundezas da tarde vem o dia em que se vive eternamente
igual à água murmura entre os rochedos
onde se ocultam na ante manhã os peixes perseguidos pelos
homens.

Não se percebe o outro dia melodioso lá fora
nas perspectivas dos arranha-céus, nos cinemas e no trânsito.
A hora tem uma espessura de segredo guardado
e as gargantas de onde as sedes emigraram
suplicam apenas o que sobrou do frio e do sono.

As imprecações dormem no ar, com uma resistência de anjos,
e as doçuras se desfiguram numa ilusão de joelhos fendidos
n'água
como se os corpos sentissem que o tempo foi embora.

A vida, liberta dos vocabulários eventuais, festeja-se sem
memória
no espírito acorrentado a um infinito agora
eternamente presente como o oceano nas praias.

(Autor: Lêdo Ivo)

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