UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Beleza



Sou mais bela, ó mortais! que um sonho de granito,
E meu seio, onde vem cada um gemer de dor,
Foi feito para o poeta inspirar um amor
Semelhante à matéria, isto é, mudo e infinito.

Reino no azul como uma esfinge singular;
Meu coração é neve e ao mesmo tempo arminho;
Odeio o que se move e faz o desalinho,
E não sei o que é rir, nem sei o que é chorar.

Os poetas, ante as minhas grandes atitudes,
Que aos monumentos mais altivos emprestei,
Consumirão o ser nos estudos mais rudes;

Pois para esses servis amantes reservei
Um puro espelho em que é mais bela a realidade:
Meu olhar, largo olhar de eterna claridade!

(Autor: Charles Baudelaire - Tradução de Guilherme de Almeida)

Nenhum comentário: