UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

"Máscaras" - Menotti del Picchia



Esses versos que tão bem retratam como se divide e balança o coração da Colombina, entre os seus famosos amores Arlequim e Pierrot:
O AMOR DE COLOMBINA
ARLEQUIM: Um desejo
PIERROT: Um sonho
COLOMBINA: Uma mulher
COLOMBINA:
Como te amo, Pierrot...
ARLEQUIM:
E a mim, cujo desejo te abriu o coração com a chave do meu beijo? A tua alma era como a Bela Adormecida: o meu beijo a acordou para a glória da vida!
COLOMBINA fascinada:
Como te amo, Arlequim!...
PIERROT desvairado pelo ciúme:
A incerteza que esvoaça desgraça muito mais do que a própria desgraça. Escolhe entre nós dois... Bendiremos os fados sabendo o que é feliz, entre dois desgraçados!
ARLEQUIM Dize:
Queres-me bem?
PIERROT Fala:
Gostas de mim?
COLOMBINA, hesitante:
Pierrot, Eu amo-te , Pierrot... Arlequim, Desejo-te, Arlequim...
ARLEQUIM, soturnamente:
A vida é singular! Bem ridícula, em suma... Uma só, ama dois... e dois amam só uma!..
COLOMBINA , sorrindo e tomando ambos pela mão:
Não! Não me compreendeis... Ouvi, atentos, pois meu amor se compõe do amor de todos dois... Hesitante, entre vós, o coração balanço: Arlequim,o teu beijo é tão quente... Pierrot,o teu sonho é tão manso...
Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho!Nessa duplicidade o amor todo se encerra: um me fala do céu... outro fala da terra! Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda a razão do amor está na variedade... Penso que morreria o desejo da gente, se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente, porque a história do amor pode escrever-se assim:
PIERROT Um sonho de Pierrot...
ARLEQUIM E um beijo de Arlequim!
Fonte: Texto extraído do poema "Máscaras"* (1937) de Menotti del Picchia

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* Uma homenagem aos personagens-símbolos dos antigos bailes carnavalescos: o Arlequim, a Columbina e o Pierrot que fazem parte da obra "Commedia Dell'Arte" gênero originário da Renascença italiana e tornaram-se figuras representativas dos nossos carnavais. Cada espaço do hotel terá a cor que representa esses personagens que remetem ao luxo e diversão dos bailes de máscaras, de origem européia, que surgiu na primeira metade do século XIX, para dar um ar de sofisticação aos antigos carnavais, chamado de entruto que eram realizados nas ruas e tinham a valsa como animação.
Cada personagem tem um significado especial – Pierrot (Polichinelo): Sonhador, melancólico, representa a idealização do amor, o espírito. Nutre um amor platônico por Colombina; - Colombina (Colombina): Festeira, faceira, linda e inteligente. É apaixonada pelo Arlecrim e amada em segredo pelo Pierrot. Ela representa a união desses dois lados; - Arlequim (Arlecchinno): Considerado o mais popular dos personagens representa a terra, os instintos do homem. É divertido, aventureiro e sedutor.
Na dramaturgia brasileira, a disputa entre Pierrot e Arlequim pelo amor de Colombina aparece no poema dramático "As Máscaras", do escritor modernista Menotti Del Picchia. Nesta peça, o amor ganha facetas de desejo e de sonho, na rivalidade pela mulher amada. Pierrot representa o espírito; e o Arlequim, os desejos carnais em alucinantes jogos de sedução. Já Colombina manifestava o desejo de juntar as características dos dois num único homem.


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