UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

LIVRO: Ensaio sobre a cegueira


Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:José Saramago

Ensaio sobre a cegueira de José Saramago foi um ótimo livro. Daqueles que começam já no meio da ação (o primeiro a ficar cego no farol) e te fazem ficar preso a ele, desesperado pela próxima seqüência de acontecimentos, doido para saber qual será o final dessa loucura toda. Quando, um a um, as pessoas vão cegando, você se pergunta se haverá um motivo para isso, se isso irá acabar logo (ou nunca?) e, é claro, acompanha os personagens por aquela tortura tão bem escrita. Aqui, abro um parênteses no elogio à escrita para relatar um porém: o livro é escrito em português de Portugal. Parece ruim à primeira vista, mas de nada prejudica o entendimento global. Segundo ponto: o texto é todo corrido, ou seja, não há pontuação, travessão, nada. Vá lendo de um fôlego só, mas seja atento, senão irá perder onde termina a fala do narrador e começa a fala do próximo personagem. Atenção redobrada nos diálogos, você não vai querer interpretar errado uma fala por achar que foi um personagem que a disse, quando na verdade, já era outro falando.
José Saramago até parece ter sido cego um dia, para descrever com tanta facilidade as dificuldades e o mundo "visto" por eles. Ele nos faz ficar cego também, já que enxergamos somente o ponto de vista deles. É claro que a personagem principal, a mulher do médico - é os personagens não tem nome -, ajuda bastante no desenrolar da trama. Imagino como seria se não houvesse entre eles um ser com olhos... o que teria sido daquele povo?
O final foi surpreendente, emocionante, mas é impossível escrever mais sem entregar o que acontece. E não se descobre o desenlace até a última página, até o último parágrafo - devo dizer que adoro finais assim!
O filme, Blindness, cumpriu muito bem seu papel em caracterizar os personagens principais. Eles têm características fortes e distintas e achei que isso ficou bem representado na telona. O fato do primeiro cego e sua mulher terem virado um casal de japoneses me causou um certo estranhamento a princípio, mas depois, em certa cena, percebi que havia sido a escolha certa. O comportamento do japonês coube como uma luva à situação onde o marido não deixa que a mulher vá se entregar aos dominadores da outra camarata em troca de comida, rola muuuito do tal orgulho japonês lá, achei que ficou perfeitamente representado.
De resto, está tudo lá, todos os acontecimentos mais importantes para a construção da trama. Até o final, que achei maravilhoso, ficou exatamente como aparece no livro, o que foi um alívio. Inclusive, muitas das mesmas falas que aparecem no livro, se repetem no filme! Foi uma sensação gostosa assisti-lo logo depois de ter terminado o livro, essa fidelidade não me incomoda, muito pelo contrário.
Voltando lá em cima, naquela parte onde disse que muitas vezes os recursos audiovisuais complementam a sua criatividade, acho que é válido mencionar alguns efeitos interessantes que o cinema utilizou para representar a cegueira repentina. Não me refiro à densidade da escuridão branca que foi mencionado por aí, mas sim, um recurso onde os personagens em cena tateiam no nada e esbarram em objetos que só se revelam a nós, espectadores, quando eles próprios dão de encontro com o objeto. É como se passasse para nós, possuidores de visão, a idéia de que o objeto só se encontra ali quando se esbarra nele.

Um comentário:

Marcelino disse...

Seu trabalho é muito bom, professora. Num país que sofre a ausência de leitores, o seu trabalho estimula o prazer de ler.