UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Soneto do Gato Morto



Um gato vivo é qualquer coisa linda 
Nada existe com mais serenidade 
Mesmo parado ele caminha ainda 
As selvas sinuosas da saudade.


De ter sido feroz. À sua vinda 
Altas correntes de eletricidade 
Rompem do ar as lâminas em cinza 
Numa silenciosa tempestade. 


Por isso ele está sempre a rir de cada 
Um de nós, e ao morrer perde o veludo 
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto.


Acaba, é o antigato; porque nada 
Nada parece mais com o fim de tudo 
Que um gato morto.


  (Autor: Vinícius de Moraes)

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