UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Palavras ao Vento



Talvez tivesse morrido de tédio
 em pleno azul da tarde
se não fosse o vento
vir subidamente e dizer
o que disse às suas orelhas pendidas.
Que logo não estavam pendidas: 

altas, escutavam o vento,
um vento de setembro com qualquer coisa
dos janeiros limpos pelas chuvas
que jamais cessam de cintilar
na memória.

E o vento falou, depois enovelou-se no capim e dormiu.
Merecidamente, deve ter pensado o que o escutara
e, escutando-o, sentira novo gosto pela vida.
Foi o que concluí, olhando disfarçadamente o velho caçador
erguer-se e distanciar-se pelo campo verde,
soprado assim por um vento 

que todos nós gostaríamos de ouvir,
agora jovem perdigueiro
indo-se como, digamos, um barco branco
de orelhas pandas,
leve e cada vez mais longínquo,
até se desfazer azul na tarde
azul.

(Autor: Ruy Espinheira Filho)

Nenhum comentário: