UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 7 de dezembro de 2014

Natal

Cristo na manjedoura. 
Vê o estábulo.
Sente o cheiro do suor dos burros.
Ouve conversas. 
Uma mulher meiga o afaga.
Sabe que vai se separar dela.
Ouve a voz de um homem bom.
Falam em anjos, numa estrela, e em reis
que a seguem para visitá-lo.
Sente o odor da terra e do feno.
Começa a compreender seu destino.
Sabe que um dia será um dos três
entre os madeiros.
Capta o medo dos que fugirão com ele,
para não serem degolados.
Sente as primeiras necessidades do homem.
Aquela mulher o limpa suavemente.
Compreende que no planeta aonde veio,
reina o bem e o mal
e que lhe caberá dar lições sobre eles.
Alguns justos o acompanharão. Não passarão de doze.
Um, será o traidor e confessará.
Outro, o negará três vezes, mas fundará sua igreja.
É judeu e seu povo o entregará aos romanos.
Essa é a missão que veio cumprir.
Não terá família, não terá filhos.
Nesse dia começou sua missão.
Esse dia será comemorado no mundo.
Os justos e os injustos trocarão presentes.
Em outro dia carregará uma coroa de espinhos.
Na cruz pensará em uma mulher que não foi sua.
E ao cair da noite sucumbirá por todos.
Mas naquele momento chora, como todos
ao ver a vida.
Percebe que os habitantes desse mundo
são muito estranhos.

(Autor: Amadeu Garrido)

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