UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Ambição



queria poema duro,
másculo e forte,
de apontar com o dedo,
em riste,
de mostrar o ouro
prá quem não vê...
queria palavra convexa
abrangendo coisa,
afastando finuras,
iluminuras, fechaduras...
queria verbo de envergadura,
chão de terra batida,
pisado de pés nus,
encontro de naturezas...
queria, como queria!
não ter pieguice de frases,
não ter medo do fundo dos rios
e ter coragem de profeta...
queria também
só chorar prá dentro,
ante a verdade do vento,
ante a dureza da pedra,
na verdura do mato...
queria, mas não atino
com esse talento de força,
esse poder dito viril
e exibo só
poucas frágeis linhas
de vocábulos descarnados
adjetivados,
sem a substância
da veracidade
da rude vida!

(Autora: Dora Vilela)

Nenhum comentário: