UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 19 de maio de 2013

Da Propensão aos Largos Silêncios


Repleta de escuridão minha boca é uma pedra
Em sua imobilidade oculta dos absurdos.
Fujo de minha língua como da ira
espanto as palavras para que não pousem
no lábio da criança que dorme
ignorando catástrofes e circos.
As espinhas do que foi dito
inundam a enorme gravidade do particípio
e nenhum verbo é voluntário
para resgatar juízo ou prejuízo.
Acomodada então
em meu ofício transitório de partícula
vou me parecendo à noite
protetora de sombreados seres
que mataram a fome com acentos
e acalmaram sua sede nos sepulcros.
O silêncio é um peixe em minha cabeça
felizmente alimentado com todas as palavras
que não disse.

(Autora: Consuelo Tomás)

Nenhum comentário: