UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Substantivo Intransferível



O abandono não tem tempo
nem dono; não tem face:
não há ventania que o disfarce.

O abandono não tem o Tempo
como senhor; ignora a dor:
não diferencia alma ou cor.

O abandono não tem tempo
a perder; parece saber tudo:
o corpo que fere, o quê torna
o próximo espírito mudo!

O abandono não tem o Tempo
da Infância; cedo aprendeu dela
a exata e definitiva distância.

O abandono não tem o tempo
manifesto de forma clara: engana
sem mais saber; de ninguém tem rol
ou dó: falta-lhe um simples farol.

O abandono é substantivo, solitário,
vítima do assédio infante e vário:
só toma consciência do outro,
quando sob a terra já o tem morto!

(Autor: Jairo De Britto)

Nenhum comentário: