UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Coração

Era uma vez um homem.
Centrado em suas verdades,
falava através do silêncio.
Mas na transparência e na
quietude de suas palavras,
feito canção que se compõe
entre os olhares dos
apaixonados, surgiam versos
como surge o perfume das flores.
Ainda que existisse, tantas vezes
se perguntava se ele era real.
Amava por inteiro; queria ser
amado sem exigir sentimentos.
Para ele, o amor só valia quando
causava alegria.
Era de um tanto dedicado que pertubava aqueles
que não sabem receber o amor.
Porque não é simples recebê-lo.
Mas talvez perturbasse mais por
não deixar-se desvendar...
Era homem, feito anjo; sem asas,
era anjo, feito homem.
Sabia voar,
a sua maneira, através das coisas que sentia...
Mas, além disso, sabia
fazer voar, através dos sentimentos que oferecia.
Talvez não fosse um
homem, talvez nem fosse um anjo...
Certamente isso é uma fábula para
quem não acredita em anjos ou em
arco-íris ou mesmo em amor...
Não há um único nome.
Existem vários.
Aos homens, todos
os outros homens, ele era, mesmo
sem saber, uma parte dentro de cada um.
Seu nome era coração.
(Autora: Rosana Braga)

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