UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cantiga

 Meu Deus, como é amarga esta paz,
paz de veias somadas, mas rompidas
e em que o sangue se junta para chorar como outrora  
se juntaram nossos corpos de marido e mulher.
Dai-nos,para consolo e esquecimento, 
  não alegrias quentes, exaltantes,  
mas as ternuras do ressuscitar: 
  telhados velhos em cidades pobres,
  cemitério com poetas enterrados, 
cadeiras de balanço em frente ao mar.

Livrai do incontido choro as nossas noites.
Meu Deus, livrai do incontido choro as nossas noites.
Dai-nos antes miúdas mãos, pés pequeninos 
  pisando flores no capim molhado,  
nomes maternos na saudade densa.  
Cantigas, algumas cantigas.  
Dai-nos cantigas descendo o rio
como canoas descendo o rio.

Cantigas de dor mansa, simples humilde.
Tão mansa que não quer dizer nada.
Tão simples que não sabe dizer nada. 
Tão humilde que nada ousa pedir a Deus.

(Autor: Odylo Costa Filho)

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