UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A vida que vivemos

A vida que vivemos encerrou-se
na concha de coral duma lembrança.
Por muros altaneiros confirmou-se,
volteia dentro deles em suave dança.

Liberta de sonhar, por tal fronteira,
condenada a um eterno redopio,
pusilânime e triste timoneira
balançando ao sabor do teu navio,

ó estranha expressão de movimento,
tão escrava de ti que não tens fim,
ó reduto fechado dum tormento

cujas mãos me maltratam só a mim,
deixa as aves lançarem no teu meio
essa sombra das asas por que anseio!

(Autora: Isabel Gouveia)

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