UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

DOCE MISTÉRIO

Descobre-me teus segredos, deixando meu corpo
voar livre, leve dentre teus dedos, e que assim sem medo,
possamos entender, a grandeza do nosso mistério.
Sem pressa, sem promessa, quero-te sem recato,
num pecado tolo, sem receio, sem normas, nessa hora, agora,
quando teu corpo o meu corpo amorna.
Arrebata de mim o medo, esse rastilho de frio
que meu ser devasta.
Agasalha minha alma que está nua e só...
Abriga-a das duras chagas, guarda-a das dores cruas.
Quero que me queiras, assim como me vês,
um mortal de desejo encarnado, um enxerto de vida.
Aquecida pelo acalanto da manhã clara, guarda-me da luz morta da tarde, e da insípida solidão da cama, na lentidão da noite.
Deixemos pelos tempos celebrados, sem vírgula, sem trema, sem parágrafo, nos escritos de um livro antigo, aberto, quieto,
repleto de poema em quarentena, o doce mistério dos nossos abraços.

Nenhum comentário: