UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer

como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos

como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul

eles não sabem que sonho
é vinho, é espuma, é fermento
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo
que fuça através de tudo
no perpétuo movimento

Eles não sabem que o sonho
é tela é cor é pincel
base, fuste ou capitel
arco em ogiva, vitral

Pináculo de catedral
contraponto, sinfonia
máscara grega, magia
que é retorta de alquimista

mapa do mundo distante
Rosa dos Ventos Infante
caravela quinhentista
que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim
florete de espadachim
bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim

passarola voadora
pára-raios, locomotiva
barco de proa festiva
alto-forno, geradora

cisão do átomo, radar
ultra-som, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
e que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança

(Autor: Antonio Gedeão)

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