UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Pássaros

A primavera de New England
não traz seus pássaros à minha janela.
Mas por que penso naqueles cantos
se nem os pássaros de meu velho rio
ou de minhas conhecidas árvores
vêm ao meu jardim cantar?

Só cantam para si próprios,
o martim- pescador, a corrila ,
o joão-de-barro atribulado.

Pensando melhor, nem mesmo pardais,
nenhum pio, nenhum bemol acasalado
conseguem meu dia despertar.
Ficam por si, longínquos, os canários
e os bem-te-vis nas cercanias .

Como é triste acordar
daquelas ternuras surdo, descantado.
como é áspero raspar do dia o aço.
ranger roldanas de hábitos e ossos.

Cantem para si, para Deus
ou para quem os consiga ouvir
o exótico robin , o cuco e a cotovia.
Nenhum trinado, nenhum grasnar,
vêm alcançar meus ouvidos ruidosos.

Ah, vejam, sou mesmo um rei nu,
um moedor de pedras,
sou aquele imperador da China
que tão pobre era sem seu pássaro -
aquele pobre mandarim ,
a solidão, meu triste rabicho,
a ausência, esta enorme vassala de mim.

(Autor: Fernando Campanella)

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