UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Canção de Primavera

Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores, 
Pois que Maio chegou, 
Revesti-o de clâmides de cores! 

Que eu, dar, flor, já não dou. 
Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves, 
Acordai desse azul, calado há tanto, 
As infinitas naves! 

Que eu, cantar, já não canto. 
Eu, Invernos e Outonos recalcados 
Regelaram meu ser neste arrepio... 
Aquece tu, ó sol, jardins e prados! 

Que eu, é de mim o frio. 
Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio, 
Vem com tua paixão, 
Prostrar a terra em cálido desmaio! 

Que eu, ter Maio, já não. 
Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto; 
Ter sol, não tenho; e amar...

Mas, se não amo, 
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto, 
E não por mim assim te chamo?

(Autor: José Régio)

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