UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Resoluções de uma Bruxa

Que eu seja como aquela que tece 
o pano na floresta, profundamente escondida.
Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção.
Que eu seja uma exilada se é este o sacrifício.
Que eu conheça a procissão sazonada 
do meu espírito e do meu corpo,
 e possa celebrar os quartos em cruz, 
solstícios e equinócios.
Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima,
 nas árvores desenhadas no céu luminoso.
Que eu possa acariciar flores selvagens
 cobri-las com as mãos.
Que eu possa libertá-las, sem apanhar nenhuma, 
para viver em abundância.
Que meus amigos sejam da espécie que ama o silêncio.
Que sejamos inocentes e despretensiosos.
Que eu seja capaz de gratidão.
Que eu saiba ter recebido a alegria, como o leite materno.
Que eu saiba isso como o meu cão, nos ossos e no sangue.
Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor, 
em canções que soem como aroma do alecrim, 
como todo dia e na antiguidade, erva forte de cozinha.
Que eu não me incline à auto integridade e à auto piedade.
Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da terra 
e dos círculos de pedra, como raposa ou mariposa, 
e não perturbar o lugar mais que isso.
Que meu olhar seja direto e minha mão firme.
Que minha porta se abra àqueles que habitam 
fora da riqueza, da fama e do privilégio.
Que os que jamais andaram descalços não encontrem 
o caminho que chega à minha porta.
Que se percam na jornada labiríntica.
Que eles voltem.
Que eu me sente ao lado do fogo no inverno 
e veja as achas brilhando para o que vier,
 e nunca tenha necessidade de advertir 
ou aconselhar, sem que me peçam.
Que eu possa ter um simples banco de madeira, 
com verdadeiro regozijo.
Que o lugar onde habito seja como uma floresta.
Que haja caminhos e veredas para as cavernas 
e poços e árvores e flores,
 animais e pássaros, todos conhecidos
 e por mim reverenciados com amor.
Que minha existência mude o mundo não mais 
nem menos do que o soprar do vento,
 ou o orgulhoso crescer das árvores. 
Por isso, eu jogo fora minha roupa.
Que eu possa conservar a fé, sempre.
Que jamais encontre desculpas para o oportunismo.
Que eu saiba que não tenho opção, 
e assim mesmo escolha como a cantiga é feita, 
em alegria e com amor.
Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo.
Quando falhar, que eu me conceda o perdão.
Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo.
(Autora: Rae Beth)

Nenhum comentário: