O
mistério de Maria é inseparável do mistério do Espírito Santo. Mais:
dele depende. O Apocalipse fala de uma mulher vestida de sol (12,1).
Esse sol é o Espírito Santo, que a enriqueceu de todas as graças desde
quando o Pai a escolheu para ser a mãe de seu Filho. E quando, cheia de
graça, chegada a plenitude dos tempos (Gl 4,4), ela deveria conceber
Jesus, é o Espírito Santo que a fecunda, como rezamos no Credo: "O Filho
unigênito de Deus... por nós e para nossa salvação desceu dos céus e
se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria".
Revestida
de sol, coberta pelo Espírito Santo, Maria tornou-se, no dizer de São
Bernardo, "um abismo de luz, gestando o verdadeiro Deus, Deus e homem ao
mesmo tempo" e, diante desse fato, observa ainda São Bernardo, "até o
olho angélico fica ofuscado com a potência de tal fulgor".
Sol e luz
são figuras para expressar um fato: Maria, senhora de todas as bênçãos,
concebe o Filho de Deus, por obra e graça do Espírito Santo, e é
associada para sempre à obra redentora do Cristo e à missão do Espírito
Santo Paráclito na história da salvação. Afirma o Evangelista Lucas que,
à pergunta de Maria como seria possível conceber, se ela não conhecia
homem algum, o anjo lhe garantiu: "O Espírito Santo descerá sobre ti"
(Lc 1,15).
Comenta o Catecismo: "A missão do Espírito
Santo está sempre conjugada e ordenada ao Filho. O Espírito Santo é
enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-lo divinamente,
ele que é 'o Senhor que dá a Vida', fazendo com que ela conceba o Filho
Eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua" (484-485).
Para
expressar essa unidade de mistérios entre Maria e o Espírito Santo, os
teólogos não hesitam em chamar Maria de Esposa do Espírito Santo. Assim,
São Francisco, na antífona que compôs para o Ofício da Paixão do
Senhor, reza: "Santa Virgem Maria, não há mulher nascida no mundo
semelhante a vós, serva do Altíssimo Rei e Pai celestial, Mãe do nosso
Santíssimo Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo".
A festa
litúrgica, que celebra a encarnação de Jesus, chamada "Solenidade da
Anunciação do Senhor" (25 de março), une estreitamente Jesus, Maria e o
Espírito Santo. Jesus é a razão de ser de todos os privilégios e da
própria missão de Maria. O Espírito Santo consagra Maria, fecunda-a e,
ao mesmo tempo une-se à missão salvadora de Jesus, tornando-o o Cristo, o
Ungido de Deus. Vários momentos da vida terrena de Jesus mostram-no
cheio do Espírito Santo (Lc 4,1; Jo 1,33), movido pelo Espírito Santo
(Lc 4,18) e tendo o Espírito Santo como testemunha de sua messianidade
e de sua doutrina (Lc 12,12; Jo 14,26; 16,13).
e de sua doutrina (Lc 12,12; Jo 14,26; 16,13).
Ao dobrarmos os joelhos
diante do mistério da encarnação, adoramos a Trindade santa: o Pai que
envia o Filho, o Filho que, permanecendo Deus, obedece e assume o corpo
humano, o Espírito Santo, que possibilita a concepção imaculada de
Jesus. Dentro desse mistério e protagonista dele encontra-se Maria,
mulher como todas as mulheres, mas associada misteriosamente, através da
maternidade divina, à missão redentora e santificadora do mundo. "Por
isso mesmo - escreve o Papa Pio IX na Bula de proclamação do dogma da
Imaculada Conceição - Deus a cumulou, de maneira tão admirável, da
abundância dos bens celestes do tesouro de sua divindade, mais que a
todos os espíritos angelicais e todos os santos, de tal forma que
ficaria absolutamente isenta de toda e qualquer mancha de pecado,
podendo, assim, toda bela e perfeita, ostentar uma inocência e santidade
tão abundantes, quais outras não se conhecem abaixo de Deus, e que
pessoa alguma, além de Deus, jamais alcançaria, nem em espírito" (n. 2).
Diante
de Maria, envolta pela inaudita graça da maternidade divina, São
Francisco, apaixonado pelo mistério da encarnação, prorrompe numa
saudação em que, faltando palavras, busca com símbolos e comparações
dizer o que lhe vai na mente e no coração: "Salve, Senhora santa, Rainha
santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja, eleita
pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e
dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a
plenitude da graça e todo o bem! Salve, ó palácio do Senhor! Salve, ó
tabernáculo do Senhor! Salve, ó morada do Senhor! Salve, ó manto do
Senhor! Salve, ó serva do Senhor! Salve ó Mãe do Senhor! Salve vós
todas, ó santas virtudes derramadas, pela graça e iluminação do Espírito
Santo, nos corações dos fiéis, transformando-os em fiéis servos de
Deus".
Sempre na tentativa de expressar com palavras humanas aquele
momento único da encarnação do Senhor, há teólogos que se demoram em
comparar a presença dinâmica do Espírito Santo na pessoa de Maria com o
início da criação, quando, segundo o Gênesis (1,2) o Espírito de Deus
soprava forte sobre as águas, ou seja, separava os elementos,
ordenava-os, permitindo o nascimento da vida na terra. Rezamos no Credo:
"Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida". Dar a vida é uma das
atribuições do Espírito Santo. Na primeira criação, o Espírito como que
fecundou a Natureza. Na segunda criação, inaugurada na Anunciação, o Espírito
Santo não só fecundou Maria que, como mulher, concebeu e deu início a
uma vida, mas também tornou-se autor daquele que mais tarde declarou
explicitamente: "Eu sou a vida" (Jo 11,25; 14,6).
Dar vida tornou-se
sinônimo da missão de Jesus na terra. Por isso mesmo, toda a missão de
Jesus está prenhe do Espírito Santo. Jesus foi preciso: "Eu vim para que
todos tenham a vida em plenitude" (Jo 10,10). Esta plenitude da vida
nos é dada pelo Espírito Santo, ligada ao mistério da Encarnação do
Senhor, liga à própria vida do Filho de Deus na terra, obra e graça do
Espírito Santo. Plenitude de vida aqui na terra e plenitude de vida na
comunhão eterna com Deus. Aqui na terra, na vivência dos dons do
Espírito Santo, que Maria recebeu em superabundância, particularmente a
fé, a esperança e a caridade, que explodiram no seu "sim" ao plano de
Deus e a mantiveram ao lado do Filho em todas as circunstâncias,
inclusive ao pé da Cruz. Dos mesmos dons recebemos a coragem e a graça
de acompanhar o Senhor Jesus e, na força do Espírito Santo,
testemunhá-lo em nossa vida e em nossas ações e sermos pelo Senhor
recebidos na morte e transportados à comunhão eterna com a Trindade.
Há
um outro momento na história da salvação, fundamental também ele, no
qual a Escritura acentua a presença de Maria, envolta no Espírito Santo.
Refiro-me a Pentecostes. Na encíclica Redemptoris Mater - sobre o papel
de Maria na história e na vida da Igreja - escreveu o Papa João Paulo
II: "Na economia redentora da graça, atuada sob a ação do Espírito
Santo, existe uma correspondência singular entre o momento da Encarnação
do Verbo e o momento do nascimento da Igreja. A pessoa que une estes
dois momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém.
... Assim, aquela que está presente no mistério de Cristo como Mãe, torna-se - por vontade do Filho e por obra do Espírito Santo - presente no mistério da Igreja" (n. 24).
Quando
a Igreja declara que o Espírito Santo é sua alma (Lumen Gentium, 7),
está reconhecendo nele a vida que a sustenta, a dinamiza, a santifica e
lhe é garantia de fidelidade. Maria é o ícone da Igreja. Cheia do
Espírito Santo, por sua obra e graça, ela deu à luz o Filho de Deus. A
Igreja, sempre por obra e graça do Espírito Santo, gera os filhos para
Deus. Se Maria foi verdadeiramente Mãe do Jesus histórico, concebido em
Nazaré, nascido em Belém, crucificado e morto em Jerusalém, ela é também
a verdadeira Mãe da Igreja, corpo místico do Cristo ressuscitado, vivo e
presente até os confins do mundo e até o fim dos tempos.
Transcrevo
uma oração atribuída a Santo Ildefonso (+667): "Ó Virgem Imaculada,
aquele que armou sua tenda em Ti, enriqueceu-Te com os sete dons de seu
Santo Espírito, como sete pedras preciosas. Primeiro, ornou-Te com o dom
da Sabedoria, em força do qual foste divinamente elevada ao Amor dos
amores. Depois, deu-Te o dom do Intelecto, pelo qual subiste às
culminâncias do esplendor hierárquico. O terceiro dom com que foste
agraciada foi o do Conselho, que Te fez virgem prudente, atenta e
perspicaz. O dom da Ciência que recebeste foi confirmado pelo próprio
magistério de Teu Filho. O quinto dom, o da Fortaleza, o manifestaste na
firme perseverança, na constância e no vigor contra as adversidades.
O
dom da Piedade fez-Te clemente, piedosa, compreensiva, porque tinhas
infusa a caridade. Pelo sétimo dom, o Temor de Deus transpareceu na Tua
vida simples e respeitosa diante da imensa majestade. Alcança-nos estes
dons, ó Virgem três vezes bendita, Tu, que mereceste ser chamada o
Sacrário do Espírito Santo.
Amém.
(Autor: Frei Clarêncio Neotti, O. F. M. )
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