A Igreja sempre venerou Maria
como sua mãe. Mesmo porque há uma razão lógica: ela é a Mãe de Jesus,
cabeça da Igreja e a Igreja é o corpo místico de Cristo, princípio e
primogênito de todas as criaturas celestes e terrestres (Ef 1,18). Por
isso mesmo, Maria é a mãe de todos os que nasceram pelo Cristo,
tornaram-se irmão de Cristo e em Cristo, e são herdeiros de sua graça,
sua vida e sua glória. Foi, porém, em pleno Concílio Ecumênico Vaticano
II, no dia 21 de novembro de 1964, que o Papa Paulo VI deu solenemente a
Maria o título de "Mãe da Igreja".
Os
Bispos do mundo inteiro acabavam de assinar a Constituição Dogmática
Lumen Gentium, sobre a Igreja, e o Papa acabara de promulgar, em sessão
pública, o novo documento, que implantaria os rumos futuros da
eclesiologia e da prática pastoral. Diferentemente do que se pensara na
fase preparatória do Concílio, os Padres Conciliares não fizeram um
documento especial sobre o papel de Maria na história da salvação, mas
inseriram a doutrina mariana, a pessoa de Maria e sua função como
co-redentora, no próprio documento sobre a Igreja, ressaltando a Mãe de
Jesus como membro, tipo e modelo da Igreja. Maria é vista conexa ao mistério trinitário, em sua dimensão cristológica, pneumatológica (Espírito Santo) e eclesiológica.
Logo
no início do capítulo VIII da Lumen Gentium, intitulado "A
Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no mistério de Cristo e da
Igreja", marca-se toda a linha de doutrina: "A Virgem Maria, que na
Anunciação do Anjo recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e
trouxe ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de
Deus e do Redentor. Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de
um modo mais sublime e unida a ele por um vínculo estreito e
indissolúvel, é dotada com a missão sublime e a dignidade de ser a Mãe
do Filho de Deus, e por isso filha predileta do Pai e sacrário do
Espírito Santo. Por esse dom de graça exímia supera de muito todas as
outras criaturas celestes e terrestres. Mas, ao mesmo tempo, está unida,
na estirpe de Adão, com todos os homens a serem salvos.
Mais
ainda: é verdadeiramente a mãe dos membros (de Cristo), porque cooperou
pela caridade para que, na Igreja, nascessem os fiéis que são membros
desta Cabeça. Por causa disso, é saudada também como membro
supereminente e de todo singular da Igreja, como seu tipo e modelo
excelente na fé e caridade. E a Igreja Católica, instruída pelo Espírito
Santo, honra-a com afeto de piedade filial como mãe amantíssima" (n.
53). Este parágrafo contém os pontos desenvolvidos nessa parte do
documento.
Reconheceu o Papa Paulo VI naquele discurso de
encerramento da terceira sessão do Concílio que era a primeira vez que
um Concílio Ecumênico apresentava síntese tão vasta da doutrina católica
acerca do lugar que Maria Santíssima ocupa no mistério de Cristo e da
Igreja. E, emocionado, afirmou que queria consagrar à Virgem Mãe um
título que sintetizasse o lugar privilegiado de Maria na Igreja. E
declarou: "Para a glória da Virgem e para o nosso conforto, proclamamos
Maria Santíssima Mãe da Igreja, isto é, de todo o povo de Deus, tanto
dos fiéis quanto dos pastores, que a chamam de Mãe amorosíssima. E
queremos que, com este título suavíssimo, seja a Virgem doravante ainda
mais honrada e invocada por todo o povo cristão".
Alguns
anos mais tarde, no dia 15 de março de 1980, o título foi acrescentado à
Ladainha lauretana, logo depois da invocação "Mãe de Jesus Cristo".
No
mesmo solene discurso, Paulo VI lembrou que o título não era novo para a
piedade dos cristãos, porque desde os primórdios do Cristianismo Maria
foi amada como mãe e o povo sempre recorreu a ela como um filho recorre à
mãe.
E
argumentou: "Efetivamente, assim como a maternidade divina é o
fundamento da especial relação de Maria com Cristo e da sua presença na
economia da salvação, operada por Cristo Jesus, assim também constitui
essa maternidade o fundamento principal das relações de Maria com a
Igreja, sendo ela Mãe daquele que, desde o primeiro instante de sua
encarnação, uniu a si, como cabeça, o seu corpo místico, que é a
Igreja".
Cito mais um trecho do discurso do Papa em que fala de
Maria, imaculada, sim, mas ligada a nós pecadores por laços
estreitíssimos: "Embora na riqueza das admiráveis prerrogativas, com que
Deus a ornou para fazê-la digna Mãe do Verbo Encarnado, está ela
pertíssimo de nós. Filha de Adão como nós e por isso nossa irmã por
laços de natureza, ela é a criatura preservada do pecado original em
vista dos méritos do Salvador; aos privilégios obtidos, junta a virtude
pessoal de uma fé total e exemplar... Nela, toda a Igreja, na sua
incomparável variedade de vida e de obras, acha a forma mais autêntica
da perfeita imitação de Cristo".
Ninguém, que chega à Praça São
Pedro, em Roma, deixa de se impressionar com a imensa colunata de
Bernini, construída em mármore e pedra, como um grande, afetuoso e
festivo abraço de acolhimento aos peregrinos. Por cima da colunata, 140
estátuas de tamanho natural, de santos e santas nascidos nas mais
diferentes camadas sociais, representam visivelmente a comunhão dos
santos, que não é coisa do passado ou apenas do céu, mas a família viva
que se une aos cristãos que entram na Basílica. Ora, Nossa Senhora não
figura entre os santos da colunata.
O Papa João Paulo II, em 1981,
mandou colocar na parte externa e alta da Secretaria de Estado, que olha
para a Praça de São Pedro, a imagem de Maria Mãe da Igreja. Todos a
vêem de qualquer ponto da Praça. Trata-se de uma cópia feita em mosaico
da conhecida como Nossa Senhora da Coluna. Assim chamada, porque seu
original estava pintado numa coluna de mármore da primitiva basílica de
São Pedro. Quando essa foi destruída, em 1607, para dar lugar à grande
Basílica como a temos hoje, a parte da coluna com a imagem foi posta, na
nova igreja, sobre o altar que abriga as relíquias de três papas, os
três com o nome de Leão (II, III e IV), onde está até hoje. Dessa
pintura, de autor anônimo, foi feito o mosaico que agora domina
discretamente a Praça. Vestida de azul celeste, Maria tem nos braços, em
gesto de oferecimento ao povo, o Menino que, sorridente, abençoa com a
mão direita, à moda grega. Ambos, Mãe e Filho, olham para longe, como
que contemplando a Praça, a Cidade e o mundo, derramando sobre todos um
olhar de inefável bondade, trazendo à memória a parte final da Lumen
Gentium, onde Maria é considerada sinal de segura esperança e de
conforto ao povo de Deus em peregrinação (n. 68). Sob a imagem, em
grandes letras de bronze, legíveis da Praça, está escrito: "Mater
Ecclesiæ" (Mãe da Igreja).
Paulo VI, que dera a Maria o título
oficial de "Mãe da Igreja", desenvolveu o tema na Exortação Apostólica
sobre o Culto à Virgem Maria, um dos documentos mais bonitos de seu
pontificado. O Papa apresenta, através das festas marianas do calendário
litúrgico, Maria como modelo da Igreja, e pede que suas considerações
de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica sejam levadas em
conta na orientação da piedade popular e na elaboração das novas orações
marianas (n. 29). O Papa fala de Maria como modelo de quem sabe ouvir e
acolher a Palavra de Deus com fé. Esta é uma missão específica da
Igreja: escutar, acolher, proclamar, venerar e distribuir a Palavra de
Deus como pão de vida (n. 17). Fala de Maria como modelo de pessoa
orante e intercessora. Ora, a Igreja todos os dias apresenta ao Pai as
necessidades de seus filhos, louva sem cessar o Senhor e intercede pela
salvação do mundo (n. 18). Fala de Maria Virgem e Mãe, modelo da
fecundidade da virgem-Igreja, que se torna mãe, porque, pelo batismo,
gera os filhos concebidos pela ação do Espírito Santo (n. 19). Fala de
Maria, que oferece ao Pai o Verbo encarnado, sobretudo aos pés da Cruz,
onde ela se associou como mãe ao sacrifício redentor do filho.
Diariamente a Igreja oferece o sacrifício eucarístico, memorial da morte
e ressurreição de Jesus (n. 20).
Quando falamos de Maria como
modelo, há o perigo de vê-la longínqua, ou ao menos fora de nós, como
vemos os nossos heróis. Na verdade, Maria é parte essencial da Igreja.
Podemos dizer que a Igreja está dentro de Maria e Maria está dentro da
Igreja. Essa verdade foi acentuada, sobretudo, pelo Papa João Paulo II
na encíclica Redemptoris Mater, que leva o sugestivo título: A
Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho:
"Existe uma correspondência singular entre o momento da Encarnação do
Verbo e o momento do nascimento da Igreja. E a pessoa que une esses dois
momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém" (n.
24). Depois de acentuar Maria no centro da vida da Igreja, conclui o
Papa: "A Virgem Maria está constantemente presente na caminhada de fé do
Povo de Deus" (n. 35). "A Igreja mantém em toda a sua vida, uma ligação
com a Mãe de Deus que abraça, no mistério salvífico, o passado, o
presente e o futuro; e venera-a como Mãe da humanidade" (n. 47).
(Autor: Frei Clarêncio Neotti, OFM)
Nenhum comentário:
Postar um comentário