sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Tempo


Tempo essência do Espaço eterno. Tempo - fio
Da vida, mas que enleia a vida e a morte agoura,
Ligando o que hoje cria à destruição vindoura:
Cada berço nascente a um túmulo vazio!

Ilude se é veloz, engana se é tardio,
Porque só se lhe altera a força imorredoura,
Quando encanece o campo 

ou quando o campo aloura,
Causando o outono, o inverno, a primavera e o estio.

Transforma as cousas: cerra um astro e outro descerra.
Mas, sem que a vida enerve e sem que a morte afoite,
Mantém a coexistência orgânica da Terra.

Desvenda, aos poucos, tudo o que o mistério acoite.
E ao Sol sempre cingindo o mundo, o mundo encerra
No eterno ciclo - a aurora, o dia, a tarde, a noite.

(Autor: Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros)

Substractum


Formoso ideal com que a sonhar me iludo
- Fraternidade humana vã doutrina
O homem só por si próprio se fascina,
- Narciso eterno, eis seu mistério rudo.

O beijo, o abraço, o adeus, o aplauso... tudo
O que oferece, quando raciocina,
São só disfarces da feição genuína
Do seu caráter cego, surdo, mudo!

Amizade, respeito, simpatia,
Misericórdia, amor, saudade, ciúme.
Tudo acaba, se o egoísmo principia.

E o homem, vivendo entre outros homens, a esmo,
Vê que a vida, afinal, se lhe resume
No profundo deserto de si mesmo!

(Autor: Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros)

Supremo Travo


Esta muda tristeza indefinida
Que prematuramente me envelhece,
Dando-me ao ser a contrição da prece,
Dando-me à vida a sombra da outra vida;

Este surdo pesar que me intimida
E o ânimo quente aos poucos me arrefece,
Colhendo lágrimas em larga messe
Sempre à mesma recôndita ferida

É a condição da minha essência humana
E sente-a, apenas, quem, no curso incerto
Da existência falaz, nunca se engana;

Quem não vibra à ventura que tem perto,
Quem no seio de alegre caravana
Compreende a sós a mágoa do deserto.
(Autor: Luis Carlos da Fonseca Monteiro de Barros)

Agora é passado


Agora é passado – o feliz agora
Quando junto caminhámos
Sob o ramo do carvalho da floresta
E a natureza disse que nos amávamos.
A rajada do Inverno
O agora desde então rastejou
Por entre nós e separou-nos.
Invernos que murcharam todo o verde
Gelaram o bater do coração.
Agora é passado.

Agora é passado desde que por último nos encontrámos
Sob o ramo da aveleira;
Antes que o sol da tarde se pusesse
A sombra dela estendeu-se sobre a terra.
A rajada do Outono
Manchou e definhou cada ramo;
Morangos silvestres como os lábios dela
Deixaram os musgos verdes do chão
E a flor que ela tinha sobre as ancas.
Agora é passado.

Agora é passado, mudado e envelhecido,
As florestas e os campos estão pintados de novo.
Morangos silvestres que ambos colhemos então,
Nenhum de nós sabe agora onde cresciam.
O céu está nublado
Os morangos desapareceram da entrada da floresta
Todas as folhas verdes se tornaram amarelas;
Adelaide já não percorre os caminhos da floresta,
O amor verdadeiro não tem com quem deitar-se.
Agora é passado.

(Autor: John Clare - Tradução de Cecília Rego Pinheiro)

Ao Sal


Nega-me tua alma –
esta alma, mesma, que me furtas

e é ao degredo irremediável

que me remetes.

Nega-me tua chama

que arde no delírio dos deuses,
teu anjo, que ressona na fluidez dos lagos,
tuas asas desdobradas,

nega-me, nega-me tua espuma

que regurgita no sonho das aves
(eu sou o teu infante pássaro)

e é sem minhas fontes que me deixas,

sem meu ar extasiado.

Nega-me teu mar, tua tempestade,

o sonho e a fantasia,
e me deixas ao relento, ao sal amargo
de cada dia.

Nega-me teu olhos e já não me atento


que a felicidade embora utopia das sombras

é também certa luz incidente
que só de teu olhar
meus olhos como cúmplices pressentem.

(Autor: Fernando Campanella)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012