UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 8 de setembro de 2012

Cantiga


Entre mim mesmo e mim
não sei que se ergueu
que tão meu inimigo sou.

Uns tempos com grande engano
vivi eu mesmo comigo,
agora no maior perigo
se me descobre maior dano.

Caro custa um desengano,
embora este não me tenha matado
quão caro que me custou!

De mim me sou feito outro,
entre o cuidado e cuidado
está um mal derramado,
que por mal grande me veio.

Nova dor, novo receio
foi este que me tomou,
assim me tem, assim estou.

(Autor: Bernardim Ribeiro)

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