Orfeu (descendo do morro para a cidade [o inferno]) :
“Não sou daqui, sou do morro. Sou o músico do morro. No morro sou conhecido – sou a vida do morro. Eurídice morreu. Desci à cidade para buscar Eurídice, a mulher do meu coração. Há muitos dias busco Eurídice. Todo mundo canta, todo mundo bebe: ninguém sabe onde Eurídice está. Eu quero Eurídice, a minha noiva morta, a que morreu por amor de mim. Sem Eurídice não posso viver. Sem Eurídice não há Orfeu, não há música, não há nada. O morro parou, tudo se esqueceu. O que resta de vida é a esperança de Orfeu ver Eurídice nem que seja pela última vez”.
(Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes)

Himeneu, o deus dos casamentos, foi convocado para abençoar com sua presença a união de Orfeu e Eurídice, mas embora tivesse comparecido, não levou augúrios favoráveis. Sua própria tocha fumegou durante a cerimônia, fazendo lacrimejar os olhos dos noivos. Confirmando tais prognósticos, Eurídice, pouco depois do casamento, passeava com as ninfas suas companheiras quando foi vista pelo pastor Aristeu, que fascinado por sua beleza, tentou conquistá-la. Ela fugiu, e na fuga, ao pisar em uma cobra, foi mordida no pé e morreu. Durante dias Orfeu, inconformado, clamou o seu pesar para deuses e homens, mas como nada conseguiu, resolveu procurar a esposa na região dos mortos. Desceu ao reino das sombras, passou por multidões de fantasmas e apresentou-se diante de Plutão e Prosérpina, onde cantou acompanhado pela lira:
"Ó, divindades do mundo inferior, para o qual todos nós que vivemos teremos que vir um dia, escutai as minhas palavras, pois elas são verdadeiras. Não venho para espionar os segredos do Tártaro, nem para tentar experimentar minha força contra o cão de três cabeças que guarda a entrada. Venho à procura de minha esposa, a cuja mocidade o dente de uma venenosa víbora pôs um fim prematuro.O Amor aqui me trouxe, o Amor, um deus-todo-poderoso que mora entre nós, na Terra, e também aqui, se as velhas tradições dizem a verdade. Imploro-vos: uni de novo os fios da vida de Eurídice. Nós todos somos destinados a vós, e mais cedo ou mais tarde passaremos ao vosso domínio. Também ela, quando tiver cumprido o termo de sua vida, será devidamente vossa. Até então, porém, deixem-na comigo, eu vos imploro. Se recusardes, não poderei voltar sozinho; triunfareis com a morte de nós dois".

As Musas ajuntaram os fragmentos do corpo de Orfeu e os enterraram em Limerra, onde, segundo se diz, o rouxinol canta sobre seu túmulo mais suavemente que em qualquer outra parte da Grécia. A lira foi colocada por Júpiter entre as estrelas, enquanto o poeta, ao entrar pela segundo vez no Tártaro, procurou Eurídice e a tomou nos braços. Os dois passearam pelos campos venturosos, juntos agora, indo na frente ora ele, ora ela, com Orfeu admirando sua amada tanto quanto desejava, sem ser castigado por um olhar descuidado.
A história de Orfeu, transmitida por diversos poetas clássicos, foi popular mesmo na Idade Média, sendo narrada em várias lendas medievais na forma de conto de fadas nórdico. Não se sabe ao certo que figura humana ou divina está simbolizada nessa passagem. Alguns mitólogos o representam como um filósofo em busca de novos conhecimentos; outros, como um músico tão maravilhoso que personifica a música e o ritmo; além dos que o consideram um vidente fundador de ritos místicos, sobretudo dionisíacos; ou então astrólogo, e finalmente como um missionário da civilização em terras bárbaras, sendo-lhe atribuída a autoria de alguns livros.
(Fonte: O Livro de Ouro da Mitologia)
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